haikai

Tenho olhos grandes, muito redondos. Meus pais tem olhos finos, feito riscos no papel. Por onde passo, no texto ou no subtexto, a mesma pergunta: “por que você não é japonesa?”. Um professor leu meu sobrenome na lista de chamada, e arregalando a vista, colocou os óculos: “você foi encontrada numa caixa de sapatos?”. No aniversário de um primo, sua amiga comentou: “você é tão diferente de seus pais…”. Respondi, tranquila: “é que sou adotiva”. “Ah…”, e virou os olhos para o horizonte, procurando algum conhecido para mover-se dali. Na sala de espera do consultório médico, uma senhora engrandeceu os ombros, estufou o peito e bradou: “uma filha adotiva é muito mais do que uma filha!”.

Em casa, pelo contrário, o tema não era mencionado. Fomos conversar sobre a adoção, aos meus quinze anos, quando perguntei: “como cheguei até aqui?”. Eles, com os olhos de delicadeza, me disseram tudo que sabiam, completando: “nunca tocamos no assunto porque queríamos que você se sentisse preparada, no seu tempo”. Espantada, sempre achei que o silêncio significava a dificuldade deles de tocar no assunto.

Me pergunto se orientais e ocidentais pensam de forma inversa. Um livro no ocidente começa abrindo a capa em direção à esquerda, um livro no oriente começa abrindo a capa para a direita. Nos poemas, a tradição ocidental é falar de sentimentos, trazer complexidade, camadas de sentido. A tradição oriental é observar manifestações da natureza: a magnitude de uma simples flor de cerejeira, que balança com o vento.

Quero que a presença, minha e de meus pais no mundo, caiba na palma de um poema singelo. Apenas a grata aceitação, para versos grandes demais para a métrica de um haikai:

Olhos em gotas

de orvalho ao vento, lacrimejam

tiras de capim.

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