Trabalho de parto

“Você tem o rosto de minha filha”. Foi a primeira frase que ouvi de sua boca. Aconteceu numa tarde de céu aberto quando nos trombamos pelo parque. Ela disse de novo: “você tem o rosto de minha filha”. Fiquei confusa com a sua certeza, nunca tínhamos nos visto antes.  Ela pediu que eu contasse a minha história, ou, o que sabia dela. Depois de cada detalhe, ela fazia: “hum…”. Era o seu único som. Nas conversas seguintes, ela vinha até mim, na residência em que moro com outros adolescentes. Hoje caminho até ela. Virá me buscar para irmos para a sua casa, que será nossa.

Ao longe vejo Carolina dentro do carro. Avisou por mensagem: “não vou entrar, me encontre do outro lado da rua”. Olhar para ela, assim, pronta, dá um ar de iminência. Quando uma mãe vai para o hospital ter o seu bebê. Eu não sou mais um bebê e Carolina não me carregou dentro de seu ventre, mas estamos aqui, em iminência de. A estrada que sai da Capital até São Sebastião leva três horas. Será o tempo do nosso trabalho de parto? Será possível parir uma filha de dezessete anos, aos cinquenta e três?

Entro, olho para seus cabelos finos na altura do pescoço, o corpo magro, a musculatura forte, ossos espessos. Uma mulher firme, tão firme que poderia engolir os nossos fantasmas. Gira chave, dá a partida. E me leva para casa com aquele olhar do primeiro dia, de quem tem a certeza.

Chegamos, eu tenho um quarto. O quarto que era de sua filha antes de desaparecer quando tinha doze. Ela deve ter mudado muita coisa, as paredes recém pintadas ainda tem o cheiro de tinta e a cama é uma cama grande. Eu sou um corpo, mas em pouco tempo, talvez, não continue assim. Um feto também cresce em meu ventre e ainda não tenho certeza se o desejo. Este será o primeiro silêncio compartilhado com a minha mãe nova. Dizem que pais e filhos começam a esticar uma distância no decorrer dos anos, a adolescência muitas vezes rasga um abismo, que nem sempre é costurado na vida adulta. Agora, com uma mãe e uma filha que nascem crescidas, será assim também? O que acontece se começarmos de outro ponto, pulando essa parte que sangra? “Psiu, venha tomar um chá”. Chegando na cozinha, a fotografia sobre a cômoda.

“A menina era tão diferente de mim”.

“É que você é a minha segunda”.

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