O erótico é o que estimula e vela pelo nosso mais profundo conhecimento.

Audre Lorde, em seu ensaio “Usos do erótico: o erótico como poder”, presente no livro Irmã outsider, traz a ideia de erotismo como um sentimento íntimo de satisfação e de energia criativa, funcionando como uma seta que sai de nossos corações e aponta direções de vida. Ela explica que a palavra erótico vem do grego eros, que representa a personificação do amor em todos os seus aspectos. Deste modo, ela considera que o sentimento de erotismo é o que nos desperta a sensação de intensidade e completude ao fazer algo, resultando numa transformação de si que gera plenitude e empoderamento. Isto significa incorporar a dimensão erótica em todas as esferas da vida, como uma energia criativa fortalecida que deve nortear nossas ações no mundo, nossas relações, nossa sexualidade, nosso trabalho, nossa arte etc. Segundo ela, é justamente experimentando o erotismo que saberemos discernir o que é interessante para nós e o que precisamos transformar para encontrarmos mais humanidade em nossas experiências no sistema neoliberal, que define o que é bom pelo lucro, e não pelas necessidades humanas – que seriam o encanto pela vida e a realização.  

Georges Bataille, filósofo francês, também se debruçou sobre o tema em seu livro O erotismo. Para ele, o sentido do erotismo é a ação do desnudamento — não precisamente o desnudamento do corpo, mas de um estado fechado em sua própria existência. Para dar um exemplo, o autor coloca a hipótese de que, quando saímos da barriga de nossa mãe, experimentamos um estado de descontinuidade não só físico, mas também psíquico, pois, a cada dia, a cada fase do nosso desenvolvimento, percebemo-nos cada vez mais como seres únicos e sozinhos. Mesmo que o relacionamento com a mãe envolva amor, não pertencemos a ela e, se ela morre, não somos nós que morremos, pois estamos em descontinuidade. Assim vivemos cotidianamente, porém, de alguma forma, sentimos a vontade de experimentar o estado de continuidade (ou fusão) de novo. Esse estado de supressão de limite é o que ele chama de erotismo. Pode ser experimentado na relação sexual, mas também em experiências de paixão, de amor, numa conversa entre dois amigos, na leitura de um poema — ou seja, na dissolução de uma ordem ou individualidade definida por normas sociais, no estado espontâneo em oposição à busca por controle.

Para que se possa viver a sexualidade de forma erótica, ou seja, por meio desse sentimento de satisfação, da fusão pela espontaneidade, da liberdade de sentir prazer, da troca afetiva, muitos atravessamentos entram em questão. Quando falamos em papéis de gênero, vivenciamos em nossa sociedade muitas estratégias de disciplinamento que nos atravessam de forma consciente ou inconsciente. O machismo, introjetado em nossa história de vida, muitas vezes é um importante fator que atua na base de diversas disfunções sexuais, como a mulher que não consegue declarar seus desejos ao parceiro e ter um orgasmo, ou o homem que tem dificuldades de ereção por cobrar-se estar sempre preparado para transar com qualquer mulher, mesmo que não se sinta atraído. Outros fatores, como a história pessoal, o ambiente e problemas de relacionamento, também atravessam a nossa capacidade de viver a sexualidade de forma livre e alegre. 

Quando falamos sobre a experiência de pessoas LGBTQIAPN++, devemos levar em consideração o atravessamento de uma sociedade heterocisnormativa, cheia de conceitos morais rígidos, que buscam reprimir sua expressão sexual, levando-as, muitas vezes, pelo caminho da invisibilidade e da vulnerabilidade. 

A psicoterapia para as questões sexuais deve construir possibilidades de crítica social, atuar como catalisadora de novos modos de expressão, acolher a diversidade como condição existencial humana e atuar como fonte de fortalecimento para o autoconhecimento e a busca do que traz satisfação ao indivíduo, ou seja, o seu erotismo pessoal. 

Assim como falado anteriormente que o sentimento de erotismo pode ser um caminho de satisfação em todas as esferas da vida, na psicoterapia são trabalhados todos os papéis sociais da pessoa, ou seja, sua relação com a família, com o trabalho, com amigos, parceira (as) (o) (os). Pois somos seres inteiros, não sendo possível dissociar a experiência da sexualidade dos outros aspectos da vida. Portanto, trata-se de um processo de desenvolvimento global sobre as formas de ser e estar no mundo.

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